sábado, 14 de junho de 2008

A Cartagena de Óscar


Antes de entrar no bus que me levaria na viagem mais larga de todas até Cartagena (26horas) tive que comprar o bilhete e aqui, como em quase toda a América do Sul não há preços fixos, isto é, o valor que nos dão para pagar pode sempre ser regateado. Não se pense que regatear é baixar somente uns centavos, é baixar em muitos casos para metade do preço e sabemos que eles continuam a ganhar. E se, como me acontece a mim, gostamos de regatear este é o lugar perfeito para por à prova todas as técnicas de negociação.

Chegando a Cartagena de Índias fui direito ao centro histórico da cidade que é bonito mas que apenas em uma pincelada de olhos fica visto. A minha carteira de contactos volta a abrir-se graças à minha querida tia Mariana que é colombiana e apesar de a família toda já viver fora do país ainda tem alguns amigos e em especial uma amiga que me abre as portas de casa dela e dos amigos dela, assim são as pessoas deste país. Foi então que conheci a Óscar, amigo da amiga. Foi ter comigo ao centro e daí fomos para a verdadeira Cartagena aquela que não aparece nas fotografias da cidade, que é ignorada pela maioria das pessoas que estão de visita. Aí se vê a Colombia no seu estado natural. Bairros, autocarros que parecem discotecas ambulantes tocando todo o género de ritmos latinos e até parecem coordenados com as manobras perigosas que faz o bus faz. Vê-se o futebol pelas ruas jogado de pé descalço, gente gritando e gente tomando. Óscar estudou produção de cinema e Filosofia mas só terminou este ultimo curso. No entanto trabalhou muitos anos em comunicação social fazendo investigação e produzindo documentais sobre os vários problemas sociais da Colombia. Por questões de segurança teve de deixar essa paixão de lado e dedica-se agora a ser professor em dois colégios perto de casa. Falo de "questões de segurança" porque neste país quem trabalha na área da investigação social como ele fazia tem um risco muito elevado e teve vários amigos a terem que sair do país por estarem ameaçados à morte. Diz-me ele que "os optimistas que há neste país são os que não conhecem a realidade". E parece que assim mesmo é aqui, onde não há liberdade nem democracia, não se pode ter um ponto de vista diferente.
Os problemas sociais são reais e o perigo existe de verdade. Vejo uma quantidade inacreditável de motas aparentemente normais mas que funcionam como táxi, outros tantos vendem minutos de telemovel tal é a falta de emprego assim que tudo vale para se poder ganhar algum dinheiro. Vejo também indígenas e campesinos a pedirem dinheiro no meio de centros de comércio onde se nota que não pertencem a esse ambiente mas são muitas vezes obrigados a sair das suas terras de cultivo, dos seus campos onde produzem de tudo um pouco, para que se passe a produzir mais coca e se possa gerar mais dinheiro sujo. Os campesinos mais revoltosos acabam por ser mortos pelos Paramilitares que são um dos quatro grupos armados que há no país. Somente para meter medo ou roubar algumas parcelas de terreno estes destruem lideres e famílias inteiras como se de um filme de terror se tratasse. O sequestro é um delito cometido com muita frequência pelas FARC e outros grupos armados. Estima-se que existem cerca de 3000 sequestrados, não se sabe do seu paradeiro, não se sabe se estão vivos se estão mortos e as famílias deles têm que viver no meio desta tristeza e incógnita perda...

Há injustiça, corrupção e muita droga à mistura. É difícil saber onde é que isto vai parar ou se alguma vez vai acabar. Essencialmente é um problema cultural mas que não seja isso uma desculpa para deixar de se combater porque enquanto continuar a haver mortos em massa e o jornal a falar de futebol e de acordos de paz permanentes o perigo vai continuar e o país não avançará e muitas vidas se vão continuar a perder.

Antes de sair de Cartagena ainda tive tempo de visitar um bairro, dos mais pobres, com Óscar onde ele ia dar um workshop de cinema a jovens desse mesmo bairro. É admirável que pessoas como ele que tem uma vida muito pouco estável continua a dar e dar tentando tirar do buraco a jovens que vêm poucas oportunidades do meio onde vivem. Uma criança que toca um instrumento é uma criança que nunca vai tocar numa arma, assim na musica como em qualquer outra arte tal como é o cinema ou o teatro. Há que dar a mão aos que estão próximos e só assim se conseguirá ver melhoras porque a um grupo armado como as FARC que já tem à volta de 50 anos de existência concerteza não é formada por velhotes.

...e no meio de alguns bairros vê-se a convivência frequente entre o conflito armado interno e a esperança, a morte e a vida, o ócio e o trabalho.

Um comentário:

Anônimo disse...

" Uma criança que toca um instrumento é uma criança que nunca vai tocar numa arma, assim na musica como em qualquer outra arte tal como é o cinema ou o teatro. Há que dar a mão aos que estão próximos! ". O meu comentário vai para esta frase colocando uma questão: - Porque não tocamos todos um instrumento, ou vamos para o Teatro ou para o cinema. Tal como o Francisco sugeriu, o Mundo seria bem mais doce! Bjoo Isabel