quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Masca ai essa!!

Depois de uma noite em Puerto Madryn sigo para Rio Gallegos porque não posso ir directo para Ushuaia, o outro bus sai só as 9h. No autocarro volto a encontrar o mesmo condutor.. que alegria!!

“Tou neste momento num autocarro onde vejo o céu, as estrelas e caminha, numa recta estreita com campo dos dois lados, para o fim do mundo. É assim que se chama e percebo realmente que a maior parte das coisas que estamos habituados a dar valor são efémeras. Aqui sou feliz!!Estranho ter que sair do quente do meu país e casa para poder ver melhor isto, para me abrir os olhos. Viajo sozinho mas sinto-me completamente aconchegado!!”

A viagem leva 14 horas e por isso ainda deu tempo de voltar à cabine do condutor mas desta vez não compartimos mate mas sim coca. Este mascava coca e ofereceu-me. Depois de perceber que não tinha qualquer mal mascar aquilo, fiz um bolo e pus na boca para ir chupando. Explicou-me que é aquilo que o mantém tão desperto para conduzir em estradas tão infinitas e aborrecidas. Disse-me que há um condutor da mesma empresa que transporta mercadoria e que faz 36horas seguidas...a mascar coca todo o tempo, ta claro!!Loco!! E assim foi que mantendo-nos ambos despertos seguimos viagem compartindo um pouco de vida.

Chegado a Rio Gallegos apanho uma boleia ate ao centro da cidade que ficava a 30minutos do terminal e daí percebi que tinha 17horas até ao próximo colectivo que me ia levar para Ushuaia. Pensei em andar a vaguear mas na verdade eram muitas horas. Não queria ir para um hostel pagar para dormir sabendo que saia cedo no dia seguinte e rio gallegos não tinha nada de interesse para visitar. Vagueei a pedir dormida nos Salesianos, daí mandaram-me para o matriarcado e daí para o Ministério dos assuntos sociais. Sem nada a perder la fui. Falei com o presidente, contei-lhe que não tinha lugar para ficar e que não queria ficar na rua (não há pessoas a dormir na rua ate porque no inverno faz frio demais e não sobreviveriam). Percebeu a minha situação e amavelmente arranjou-me um modesto alojamento onde ficam os poucos sem-tecto que possa haver ou pessoas com dificuldades económicas.

Fui até lá, a porta aberta chamei pelo homem que via de costas a ver TV mas nem sonido dele. Achei que não tava nem ai para mim. La chegou o responsavel do alojamento e ai me acomodei. Tudo muito modesto e sem mordomias nenhumas. Sento-me a ver TV e a falar com dois chicos que estavam la a viver porque não eram daquela cidade e trabalhavam não dava para pagar alojamento e tudo. E ao lado estava e continuava sentado o homem que não me quis responder quando pedi para entrar. Poucos segundos depois percebi que era surdo.. E foi com ele que depois comecei a falar mais, li-a nos lábios e tentávamos falar assim. Achou que me tava a querer meter na vida dele por fazer muitas perguntas (para mim era o normal, mas percebi). Saquei do caderno e ai se desenrolaram horas de conversa. Ao principio a medo achava que eu parecia detective e depois paginas e paginas escritas compartimos a vida de cada um e falamos de religião a maior parte do tempo. Sabia muito!!


Mário sofreu na pele a crise da Argentina e antes disso tinha ficado surdo com um traumatismo que sofreu na cabeça e a mulher tinha morrido. As pessoas ou não acreditam que é surdo ou não fala sequer com ele. E assim foi...estávamos um para o outro. E se ao principio havia alguma distancia que ele queria ter por não me conhecer, no final já nos abraçávamos de alegria, de contentamento.

Dei-lhe força e ele a mim. Há momentos ou pessoas que mesmo que por pouco tempo...marcam muito e sei que este me vai marcar para toda a viagem. Vale pela intensidade e não pela quantidade de tempo com que se vive. Mário fica amigo do coração!

3 comentários:

teresinha disse...

que estoy encanta con tu vida y tu mundo...

Anônimo disse...

"Francisco Pequeno" tomaste o lugar ao "Bolivar dos Bosques"!só não roubas aos ricos!
Revelo que duvidei bastante de toda essa "peregrinação" com que encheste os ouvidos e cabeça de todos nós!mas (comentário um deveras gay) agora enches-me o coração!!granda Francisco pá em todos os aspectos haha!já sabes que tens um colchãozinho em Buenos Aires se precisares! Um grande abraço de "um não tão grande" João!

Anônimo disse...

Com o um Abraço acabadinho de chegar à minha petite caixa do correio da "Francia", directamente vindo do "fim do mundo" e com o selo mais castiço de sempre... apeteceu-me deixar aqui um beijinho!