quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Mais perto do que é importante


O tour pelo valle continuou depois de Tafi foi a vez de Amaicha del Valle. A viagem nao podia ter sido melhor, fui de boleia na parte de trás de um camiao onde dormia babadamente um homem com a barriga a transbordar para fora das calças. Montanhas, vacas, lamas, casas ímpares de pedra e barro no meio do campo.
Pelo meio do caminho o camiao apanhava tudo o que era peregrino de mochila ás costas. Uma visao alucinante é tudo o que pode descrever uma paisagem assim. Apaixono-me facil por lugares como este. E enquanto seguiamos caminho para Amaicha íamos aproveitando para parar e encher a barriga e garrafas de agua vinda directamente da montanha. Sem filtros, que nao era preciso..bebia-se tudo!!
Dei por mim a pensar que estas casas e familias, no meio da montanha, vivem longe de tudo. Mas ...”longe de quê?!” Logo aí percebi que nao vivem longe de nada porque para eles têm tudo ali e conhecem pouco para alem daquilo. Entao o “longe” ou “isolado” torna-se relativo. Se sao felizes ali e estao perto de tudo o que necessitam, estao bem!!

Ao chegar a Amaicha encontro uma vila que recem saía de uma semana de festejos tradicionais, cheia de gente ainda e com metade da feira montada. Dou uma volta pela feira a ver “que onda” e fico-me colado/sentado numa tenda em que vendiam de todas as marcas. A globalizacao é de facto uma realidade viva e o poder das marcas grandes é enorme e chega até aos lugares mais pequenos.
Vou falar com o Padre para ver se me safava. E safou, em 2minutos arranjou-me lugar para ficar a dormir em casa da senhora Rosita que sem me conhecer me abriu a porta de casa e me abraçou como se de um neto se tratasse. Abre-me o anexo da casa que tem uma cama gigante e uma casa de banho privada, verdadeira suite, melhor que qualquer hotel!! Para alé disso ainda me alimentava. Tudo isto e...sem nunca me ter visto antes...


Já com chave na mao vou dar uma volta pela vila, queria sentir e cheirar o lugar onde estava. Colo-me a uma porta que tinha uma folha explicativa da comunidade que ali vive em Amaicha: comunidade Pachamama (mae terra). Ao ler as “regras” da comunidade vejo sair uma muchacha com uns 40 anos cara de indigena e poucos dentes, começámos a conversar e explica-me que pertence à comunidade, convida-me a entrar em casa e mostra-me toda a vinha que têm dondé depois fazem o vinho Patero (uva é pisada com pé descalço). Mostrou-me e explicou-me todo o processo enquanto a mae de 70 anos me regalava umas ameixas tambem do jardim. Na casa estavam a viver varias familias em divisoes diferentes. Uns amigos daq familia Andrade outros filhos que ja eram casados e que ali ficaram vizinhos da mae Célia.
É uma destas casas que esta sempre de porta aberta e ha sempre lugar para mais um. Cada pessoa, cada índio. Sao de facto as pessoas mais parecidas aos indios que eu sempre imaginei desde pequeno quando brincava aos indios e aos cowboys. De pelo negro, comprido e liso, a mae Célia com uma trança tao grande quanto a bengala que o patrao da familia usava.

Recebem-me de braços abertos e integram-me como se fosse amigo da familia desde sempre. Sao grande, velhos, novos, crianças, de tudo há nesta casa. A pele, essa é na sua maioria vermelha. Passo a tarde a tomar mate e a ouvir estorias de familia e a explicacao de Danny (ainda hoje irritado com o nome que tem porque descobriu que nao tem qualquer significado), filho da Avuelita Célia, para os diferentes Deuses em que creem as pessoas da comunidade Pachamama. Os dois filhos de Danny foram primeiramente imaginados na cabeça de como iriam ser e entao depois se escolheu o nome deles com significados consoante o que foi imaginado.
Sou convidado a almoçar a jantar, fazendo-me sentir parte da familia em tao pouco tempo. A isto chamo a verdadeira vida em comunidade que é tantas vezes desprezada e tanta falta nos faz. Afinal é facil viver assim, basta querer!!


As paredes da divisao onde almoçamos estao decoradas com objectos da comunidade e uma fotografia muito especial da chegada, em 1993, do pai da familia ladeado dos seus filhos a Buenos Aires numa viagem a cavalo. Foram mais ou menos 40dias e na capital argentina todos pensavam que eram indios de verdade.
Uma familia grande, com muita vida para compartir com todos. Aproveitam o que de melhor têm e sao um exemplo de control mental e dedicaçao. A educacao impera!! Despeço-me deles com a tipica foto de familia e a vontade de partilhar, o que vive com eles, com toda a gente...

Um comentário:

Unknown disse...

Querido Francisco,
O meu Portugal fica mais vivo e alegre por de vez em quando poder fechar os olhos e viajar pela America Latina que hoje há em ti :)
Quero contar-te um segredo. Um dia, longe de tudo isto e perto de pessoas como as desta comunidade que descreves que sem nada viviam mais perto do que é importante, senti que podia viver com todos os sentidos. Entendi que a criatividade de vivas cores e o sentido de humor de Deus não têm limites.Tudo graças à diversidade do mundo. Interior e exterior. É bom saber que o mais provável é hoje partilharmos deste segredo.
Um abraço com saudades
leonor